sábado, 6 de dezembro de 2008

Não tem um título

Encontrei uma agenda de mil novecentos e antigamente, era quase um diário. Resolvi ler e acabei encontrando um texto feito há algum tempo, quando eu ainda não tinha um blog e nem sonhava em ter um.

Acabei de acordar. Pensei que tava na minha cama, tô num avião. Tomei um susto quando percebi que tô a muitos metros acima de terra firme, olhei pra aeromoça e perguntei o que tô fazendo aqui. Ela me olhou com um sorriso falso, tentando ser simpática e disse "Estamos indo para São Paulo, minha linda". Eu sei que no fundo ela me acha louca... Ah, ela quer que eu adivinhe que eu tô indo pra São Paulo se eu acabei de acordar? As informações demoram pra ser processadas! Eu tenho medo de avião. Nunca simpatizei com essa coisa de lata que tenta ser pássaro, não gosto do Dumont. Não sei nem que horas são, acho melhor não saber. Eu tô na janela, tá escuro lá fora, não vejo nada lá embaixo. Espero que não seja madrugada e, se for, que o piloto não esteja com sono. Minha mãe tá dormindo. O que eu vou fazer em São Paulo? Por que eu não tô num ônibus? Só quero conhecer o MASP e o parque do Ibirapuera. Nem sei o porquê. Só sei que, quando resolveram que eu viajaria, eu falei "quero conhecer o MASP e o Ibirapuera". É melhor não olhar a janela. Imagina se isso cai, lá se vai visita ao Ibirapuera, ao MASP e o resto da minha vida. Deve ser impossível sobreviver a um acidente desse tamanho. Certo, Renata, pensamento positivo. Daqui a algum tempo, estarei em terra firme novamente. Esse lugar já devia ser familiar, eu vivo com a cabeça nas nuvens... Piada sem graça. Além do MASP e do Ibirapuera, quero conhecer o bairro da liberdade, lá é cheio de japinha. Não gosto de japoneses, mas quero ir pra lá. Não tenho nada contra japinhas, só não simpatizo com aquelas caras redondas, cabelos lisos, olhos puxados e pessoas idênticas umas às outras. Eu ouvi dizerem que eles suicidam se não passam no vestibular. Eu vou fazer vestibular, mas vai demorar um pouquinho. Não sei ainda o que vou fazer, acho que vou ser professora, a maioria da minha família trabalha com isso. Eu queria trabalhar, mas sou jovem. Um dia vou morar sozinha com um cachorro. O nome dele vai ser Agenor, como o Cazuza. Minha mãe não gosta do Cazuza. Mas e daí? Eu não gosto do Lula e ela votou nele. O filho da puta se reelegeu. Mais filho da puta foi quem votou. Queria ir até Bras Ilha jogar um monte de verdades na cara dele, mas se eu tiver de ir, que seja de ônibus. O cara da cadeira ao lado acordou e sorriu pra mim. É a primeira pessoa que eu vejo acordar de bom humor. Ou talvez ele só esteja sem-graça porque há a possibilidade de que ele estivesse roncando. Mas ele nem tava roncando. Avisaram que tamo chegando, mas isso não me acalma. Só vou me acalmar quando eu tiver em terra firme, me levantar e picar a mula pr'o hotel. O Djavan picou a mula dele beirando estrada abaixo. Foi com ele que eu aprendi a usar essa expressão, nem sei o que quer dizer, deve ser "fui embora" e eu uso como se fosse isso. Ele canta isso na música "Alagoas", era lá onde eu devia estar agora. Mas não tô. Tô a não-sei-quantos metros de altura, longe da Ponta Verde e perto de São Paulo, que de verde não tem nada. Só o Ibirapuera. E o avião tá pousando. Agora os pulinhos....PAROU. MASP, Ibirapuera e japinhas da Liberdade, aí vou eu.

São Paulo, algum dia de algum mês de dois mil e poucos.



P.S.: Eu já passei dessa fase de antipatia para com japinhas;
P.S.2: O Ibirapuera nem é lá tão verde quanto a Ponta Verde.

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