quinta-feira, 16 de abril de 2009

Desperta-dor

Cinco e meia da manhã, despertador tocou, levantou-se. Naquele dia não resmungou por ter que acordar antes de compensar seu sono, já estava acordada desde as nove da manhã do dia anterior. Especialmente naquela madrugada ela resolveu não dormir. 
A maior parte do seu tempo ficou virada para o teto, lutando contra seus olhos que insistiam em fechar e contra aquele filme que passava em sua cabeça e insistia em trazer-lhe lembranças. Ela ficou acordada para deletá-las, certo?
Vez ou outra levantou e dirigiu-se até a cozinha. Ela, como qualquer outro, tinha o estranho hábito de abrir a geladeira para pensar. E pensar talvez fosse necessário naquela madrugada. Voltava para o quarto, sentava em sua cama e parecia esperar alguém. Talvez Shakespeare dizendo que já não importava em quantos pedaços seu coração havia sido partido, o mundo não iria parar para que pudesse consertá-lo e ela deveria se conformar, ou ainda Augusto Cury com algum exemplar de "você é insubstituível", mostrando que ela era uma vencedora e não precisava de nada (e ninguém) para continuar vivendo. 
Não, ela esperava que o culpado por tudo aquilo aparecesse repentinamente, queria vê-lo entrar pela porta ou pela janela, quiçá surgir dentro de seu armário ou do porta-retrato, o qual habitava o seu criado-mudo há tanto tempo, queria ouví-lo dizer aquelas frases clichês que tantas vezes foram escritas em livros de auto-ajuda, ou ainda romances, queria ouví-lo dizer que foi bom enquanto durou e ela agora deveria sim ser feliz e seguir seu caminho, lembrando-se do passado como um pedaço bom e não um pedaço azedo.
Deitou-se mais uma vez, pensou que queria morrer, lembrou que já havia superado a fase de querer morrer. Quis morrer. Mas morrer não é solução para esquecer lembranças, ainda mais quando elas são lembranças boas, que só se transformaram em monstros por sua mania de ser tão dependente. 
Quis pensar que tudo não passou de um sonho, de uma criação da sua mente fértil, tantas vezes sonhadora, que gostava de se enganar. Tentou se livrar de toda as lembranças materiais: Escondeu o porta-retrato, rasgou as cartas, deletou as mensagens, atirou as lembranças da última e de todas as outras viagens, restando-lhe apenas aquele nó na garganta.
Mas não eram fantasias, ela sabia que não eram, lembrava de cada passo, cada gesto, cada palavra. Mais que isso, ela sentia.
Colocou os fones nos ouvidos, tentou deixar-se levar pelas músicas, cantou. Despertador tocou, levantou-se. Naquele dia não resmungou por ter que acordar antes de compensar seu sono, já estava acordada desde as nove da manhã... do dia anterior. 

Um comentário:

  1. Meio deprimente esse conto...
    mas é como disem : Estes poetas são todos uns Loucos.
    Ah sim. Vc foi selada em meu blog.

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