sexta-feira, 29 de maio de 2009

Amar, verbo intransigente

Eles sempre esperaram que o namoro deles desse certo, mas nem de longe sabiam o que isso significava. Ficavam imaginando que namoros com sucesso são aqueles que se tornam casamento durável e que algum dia se veriam na mulher gorda ao lado de um homem careca com seus fihos numa mesa com coca-cola, suco de abacaxi com menta sem açúcar e frango de padaria num almoço de domingo com a tv ligada assistindo a turma do Didi. Dormindo e acordando ao lado da mesma pessoa durante trinta anos, fingindo que tudo está do mesmo jeito de antigamente. Ah, antigamente... A nostalgia faz parte do processo, porta-retratos na sala de estar, fotos de 10, 20 ou 30 anos atrás. O nascimento dos filhos, a viagem do verão passado, as férias na casa da sogra que mora em outro estado.
Eles já se casaram, dividiam o mesmo teto, a mesma cama, ele até já estava perdendo um pouco de cabelo. Só lhes faltavam os filhos, um pouco menos de atração entre os dois, achar divertido assistir a tuma do didi, um pouco mais de porta-retratos e fingimento.
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Ela permaneceu no apartamento que eles dividiram durante um ano e meio. Não quis se levantar quando acordou, não queria nem ter de acordar por um bom tempo, achou que uma semana era o tempo perfeito. Não abriu a janela e só sabia que estava chovendo porque ouvia o barulho dos pingos de chuva batendo na janela. Avisando que tudo acabara, talvez. Agarrou-se ao travesseiro ao lado, ainda podia sentir o cheiro de perfume e suor dele que permaneceu ali desde a semana passada, última vez que haviam dividido a cama, quando ele resolveu que passaria suas últimas noites naquele apartamento no sofá. Ela não havia pensado na possibilidade de enfrentar uma separação tão dolorosa, eles eram tão felizes há algumas semanas o quanto eram há sete anos, não podia imaginar que não suportariam as exigências da vida a dois, intransigências do amor. Ou da falta dele.
Quando viu que não conseguiria mais dormir, levantou-se, indo em direção ao banheiro, onde ainda havia uma toalha recém-usada dele. Pegou a toalha, jogou-a no ombro, olhou-se no espelho e perguntou ao seu reflexo "por que o amor tem que ser tão intransigente?".
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Depois de 7 anos entre namoro, noivado e casamento, sendo 1 ano e meio de casamento, ele voltou para a casa dos pais num dia de chuva quando todo o mundo menos esperava, trazendo duas malas. Desabou no sofá e ficou ali mesmo, encharcado. Não derrubou nenhuma lágrima ou em qualquer momento se lamentou. Permaneceu um tempo por ali mesmo, olhando para o teto, sentindo frio, o queixo tremendo, esfregando os braços molhados com as mãos, sentindo o cheiro da terra molhada que entrava pela janela entreaberta coberta por gotículas d'água. Coisa mais triste era aquela cena, pensou. Sentiu um incômodo e ficou inquieto. O incômodo não era proveniente da tristeza da cena, da sua má posição no sofá ou de dores físicas causadas pelas noites de insônia em que permaneceu no sofá. O incômodo vinha de dentro dele, vinha dos 7 anos compartilhados com a mesma pessoa que aparentemente viraram pó. Na sua cabeça ele repetia que aquilo não podia ter acontecido de repente, ele se perguntava como aquilo pode acontecer sem que ele percebesse. Eles formavam um casal tão bonito, tão parceiro, tão cumplice! Eles podiam superar as barreiras!
Foi até o espelho embaçado, escreveu o nome dela, virou os olhos, apagou o nome com as mãos e perguntou ao seu reflexo "por que isso aconteceu? Parecia que ia dar certo...", olhou para dentro de si, respirou fundo e respondeu "a gente deu certo... durante 7 anos".
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