Texto árcade

Eu já fui como todas as outras pessoas: Eu tinha uma rotina, tempo cronometrado, havia o momento certo para respirar, para espirrar, para ter fome e para me sentir cansada. Mas houve um dia em que eu me senti cansada no momento em que eu deveria sentir fome. O nome disso é "quebra de rotina" e minha vida nunca mais foi a mesma. Hoje eu posso me acordar com o cheiro do feijão que vem da cozinha ou com o barulho dos carros no início da manhã e prefiro tomar café no fim da tarde, quando eu gosto de sair em busca de qualquer coisa (aparentemente) inútil.

Tantas vezes me pego com as mãos dentro dos bolsos, olhando para cima, imitando os pássaros tentando trazê-los até mim. Eles nunca vêm, mas aí me vêm as mariposas e as borboletas, hoje eu sei distinguí-las. Os pombos voam no alto dos prédios sempre em bando e formam uma imagem bonita no céu do fim de tarde. Eu sei que as folhas caem no outono, as flores ganham vida na primavera, as nuvens têm forma no verão e que o céu é cinza no inverno. O vento é sempre o mesmo. As crianças vão para a escola às 13h e saem de lá às 17h, voltam normalmente despenteadas e sujas e choram quando lhe negam a pipoca. O pipoqueiro chega às 16h, a pipoca salgada é branca e fica uma delícia com manteiga, a pipoca doce é marronzinha e seu acompanhamento é leite condensado. Os casais preferem a pipoca doce, as crianças preferem a salgada. Com muita manteiga, por favor, dizem despenteadas, sujas e sorridentes. Eu não tenho preferência, há dias que gosto da doce, outros da salgada, e outros que eu detesto pipoca. Assim eu não posso ter uma rotina. Há também os doceiros no ponto de ônibus, eles também vendem pipoca. Ainda existem outros vendedores por ali, que gritam para conseguir o pão nosso de cada dia. Amém. As pessoas que ficam no ponto são normalmente impacientes, geralmente estão no fim do seu expediente de trabalho. São elas manicures que fumam cigarro de filtro branco, pedreiros (eles fumam derby) ou o rapaz ansioso que colheu flores na praça para levar para sua namorada, talvez. Os ônibus param nos pontos e no sinal vermelho. Os carros param no sinal vermelho e às vezes no amarelo, no verde têm passe livre, mas algumas pessoas se arriscam e correm na sua frente. As pessoas têm pressa porque têm compromissos. Eu também tenho compromissos. Com o que (aparentemente) é inútil.