terça-feira, 7 de setembro de 2010

Tava lá o corpo, estendido no chão

Tinha 32 anos, era um cidadão comum, trabalhava das 8 às 18h, de segunda à sexta. No fim de semana dizia que tinha que trabalhar, o que era mentira. A mulher dele sabia, mas fazia vista grossa.
Beijava a mulher como nos dias da semana, afagava a cabeça do filho menor, dava uns trocados ao mais velho, caminhava como se fosse ao trabalho, mas desviava duas ruas antes, timidamente, com cuidado para não ser visto, sua farsa precisava ser mantida. Chegava no meu edifício às 8h, precisava ser pontual tal qual no serviço. Batia à porta e era recebido com um sorriso.

Só sairia do apartamento às 18h.

Há três semanas ele chegava silencioso, rejeitava meus afetos, saía antes das 18h. Só queria ficar em silêncio, era o que me dizia, tomava o café forte e fumava cigarro após cigarro. No dia do acontecido ele tava mais pensativo que nos outros dias, às três da tarde ele olhava a janela fixamente, quando me olhou e disse "adeus".

Desci as escadas correndo, sem acreditar no que estava acontecendo, por quê? Cheguei à portaria com uma dor no peito e com falta de ar, vi que muitas pessoas já estavam lá fora, cheias de curiosidade, um bando de bêbados saídos do bar que ficava ali perto tomou conta da rua, lotou a calçada, eram como urubus atrás da carnificina. Pedi licença em vão, tentei afastar todo mundo empurrando. Expliquei que era amiga dele e precisava chegar mais perto. Os carros na rua buzinavam loucamente. Não mexi no corpo. Os curiosos me perguntavam sem parar o que havia acontecido, se foi suicídio. Imagina, delegado, era óbvio que havia sido, ele não achou que tinha asas. Onde já se viu um homem de 32 anos cair do décimo andar só por acidente, seu delegado? Não quis me expor, por isso voltei ao meu apartamento, acompanhei a vinda da ambulância lá de cima até o momento em que o corpo foi levado e a multidão se desfez. É tudo o que tenho pra contar.

O delegado me dispensou, voltei pra minha casa sem peso na consciência, apesar de omitir alguns fatos, como nossa briga. E, bem, eu sequer desci do meu apartamento, só olhei o corpo no chão e fechei minha janela que dava de frente pro crime.

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